Desmama racional: estratégias para aumentar a produtividade e preservar a saúde dos animais

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Como o uso do conhecimento melhora esse manejo, contemplando saúde, bem-estar e eficiência zootécnica dos animais.

Enfim é chegada a hora de desmamar os bezerros. Na natureza, esse processo acontece naturalmente entre os 8 e 11 meses de idade dos bezerros, sendo que as fêmeas desmamam mais novas (8 a 10 meses) do que os machos (9 a 11 meses), em média. Essa diferença ocorre porque as vacas “investem” mais tempo e energia nos bezerros, pois eles podem disseminar sua genética em maior frequência que as bezerras. Ou seja, os touros podem gerar mais descendentes do que as fêmeas. Mesmo assim, a partir de uma certa idade, essa relação de “custo-benefício” entre as mães e seus filhotes começa a ficar negativa.

Separar as vacas das crias de forma repentina não é uma boa ideia e é neste momento de separação abrupta que podem ocorrer acidentes.


Os bezerros precisam cada vez mais de energia para a sua manutenção e crescimento, mas as vacas não conseguem supri-los totalmente com o leite que produzem. Além disso, ficam muito esgotadas devido aos nutrientes que lhes são tirados do organismo. Desse modo, os bezerros e bezerras dão cabeçadas cada vez mais fortes durante a mamada, tentando sugar mais leite, e assim começam a expor seus dentes, que vão machucar os tetos das fêmeas. As vacas então começam a impedir que seus filhotes mamem, mas os mantém próximos por um tempo ainda maior.


O manejo tradicional não é melhor do que o manejo racional

Dito isso, voltemos ao nosso tema: desmamar bezerros. Como fazemos (mas não deveríamos fazer) esse processo, de um modo geral? Separamos as vacas de suas crias de maneira abrupta (sem aviso prévio) e, de preferência, o mais longe possível um do outro. Algumas fazendas escolhem fazer a desmama com os bezerros presos no curral e as vacas em um pasto distante, ou ambos em pastos separados. E outras simplesmente colocam os bezerros em um caminhão e enviam para outra propriedade, seja pela venda desses animais ou simplesmente para outra fazenda do mesmo proprietário. Mas o que há de errado nisso? É que na natureza as vacas mantêm os bezerros próximos, apesar de impedir que eles mamem. É exatamente nesse quesito que estamos errando. 

Ao separar as mães das crias de forma repentina, criamos nos dois um estado de ansiedade e agonia que faz com que ambos tentem se reencontrar. Tanto vacas quanto bezerros começam a mugir frequentemente e a buscar brechas em cercas para procurar um pelo outro. Não havendo possibilidade de passagem, irão tentar alguma coisa. Nesses momentos é que começam a ocorrer os acidentes, com vacas e bezerros enroscados em cercas ou por vezes afogados em rios ou lagoas, tentando passar para o outro lado em busca de um contato visual. Se “esquecem” de beber água e pastar (ou outro alimento que seja fornecido) e a perda de peso vai se tornando cada vez maior. E quanto mais nova é a cria, mais estressante será a desmama.


Vaca e cria juntas, mas separadas 

Mas o que fazer para minimizar as consequências desse processo? Vamos pensar juntos: a partir dos 8 meses de idade, o custo de amamentar começa a ficar muito alto para as vacas que, apesar disso, querem que seus bezerros permaneçam próximos a ela. Por que então não criar uma estrutura de pastagem que suporte o lote de vacas e crias, mas com uma divisão reforçada e água próxima ou compartilhada? Antes das explicações de como proceder, vamos ao porquê do reforço somente na divisão: se tanto vacas quanto bezerros tentarem atravessar para o outro pasto, será pela cerca da divisão, pois é onde estão se vendo. Dessa forma, o investimento na estrutura toda pode ser menor, pois um animal não tentará dar a volta no pasto pela cerca do fundo, para acessar o outro lado. 

Outra dúvida que sempre me questionam é o “quão” reforçada deve ser essa cerca de divisão. E vale o seguinte: quanto mais novos forem os bezerros ao desmame, maior será a sua vontade de atravessar para o outro lado. No geral temos feito cercas com três fios (dois elétricos e o do meio “terra”), com cinco fios e balancim, com seis fios sem balancim ou, ainda, um corredor no meio para manter a distância. Lembrando que mesmo havendo animais determinados o suficiente para conseguir atravessar a cerca de divisão, ainda assim não será preciso procurá-los por toda a propriedade. Eles estarão no pasto da frente com suas mães. Dessa forma, o manejo fica mais fácil e o risco de acidentes menor.


Como fazer a desmama racional  

A desmama racional acontece em cerca de 9 dias e entre seus pontos positivos estão animais mais calmos e menor risco de acidentes.


Chamamos de desmama racional porque usamos o conhecimento sobre o comportamento dos animais para realizar o manejo. Começa mantendo os bezerros e as vacas juntos, no mesmo pasto, por um período de três dias, para que as vacas façam o reconhecimento de todas as estruturas disponíveis e necessárias para suas crias -- como área de pastejo, de descanso, água e comedouros. Após esse primeiro período, as vacas são retiradas e colocadas no pasto em frente aos bezerros (onde a cerca de divisão é reforçada) e permanecem ali por mais 3 dias. 

Nesse período vacas e bezerros se veem, eventualmente se tocam, mas as crias não conseguem mais mamar. Ocasionalmente, um ou outro animal talvez consiga mamar, mas a vaca não ficará em posição que facilite a mamada, o que cumpre o objetivo primordial, que é diminuir essa dependência gradualmente. E, por fim, as vacas são retiradas desse sistema, indo para um pasto mais distante, e os bezerros lá permanecem por mais três dias. Resumindo: três dias vacas com bezerros; três dias vacas na frente dos bezerros; e três dias bezerros sozinhos, sem as vacas.


Os resultados do manejo racional são ótimos 

Essa mudança no processo de desmama traz resultados muito positivos: animais mais calmos e menos reativos, diminuição do risco de acidentes, manejo mais fácil e um ganho de peso médio diário 35% maior. Nas fazendas em que se testou esse método, a ideia era sempre repetir as duas formas de desmame (racional e tradicional) por três vezes. Mas, depois da segunda repetição, ninguém mais quis fazer desmama abrupta. “Dá muito trabalho”, nos disseram. E qual foi o investimento? Apenas uma cerca mais reforçada e vontade de fazer.  

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