Chegou a hora de bezerros e bezerras seguirem sua própria trilha. E como em todo caminho, podem existir algumas pedras, desafios dessa nova etapa de suas vidas, agora desacompanhados de suas mães.
Nossa parte, como técnicos, é facilitar essa passagem e não criar ainda mais dificuldades. Certa vez, conversando com um fazendeiro, ele me dizia que não valia a pena gastar dinheiro e energia em suplementação para bezerros de pós-desmama. Achei essa afirmação um pouco estranha e pedi para conhecer a pastagem onde os bezerros eram colocados e o cocho onde era fornecido o suplemento.
A primeira dificuldade encontrada foi o acesso. Tivemos que nos deslocar com uma caminhonete 4x4 pela área em um trajeto que me lembrou fortemente um rally, desses em que os veículos andam mais de lado do que em linha reta. E, ao chegar no comedouro, o meu espanto foi ainda maior. Além de uns 50 cm de barro, por conta de o solo ter afundado, o cocho estava muito alto para que algum bezerro conseguisse ter acesso. E a que conclusão chegamos? Muitas vezes, imaginamos que um manejo não é efetivo simplesmente porque não conhecemos os detalhes de sua execução. Neste exemplo, bezerros que foram desmamados de forma abrupta, e que estão preocupados em encontrar suas mães, foram alocados em uma área adversa, cujo acesso ao cocho se torna uma missão quase impossível.
Neste cocho, comer o suplemento é missão impossível para os bezerros. A adequação do comedouro é essencial.
Com certeza, o suplemento irá “sobrar”. Mas não porque o bezerro não quer e, sim, porque muitas vezes ele nem sabe de sua existência ou, quando sabe, não tem acesso livre ao produto. É um exemplo extremo, mas tenho outros muito mais comuns! Se eu perguntasse a vocês, qual o espaçamento necessário por animal em um comedouro para um suplemento qualquer, que dimensão vocês indicariam? Para quatro animais... Oito... Comendo dos dois lados? E para sal mineral? Qualquer que seja a dimensão que se pense, há grande probabilidade de que esteja incorreta! E por quê? Porque a melhor resposta para essa questão é “depende”.
O comportamento muda o resultado
Se temos um grupo homogêneo de animais (seja em peso, categoria, raça ou até mesmo em relação à presença/ausência de chifres), o espaço necessário no cocho é menor, relativamente a um lote heterogêneo. Quando animais muito diferentes estão em um mesmo ambiente, a chance de algum deles exercer maior grau de dominância em relação a outro é maior. Animais maiores, mais pesados, machos e com chifres, levam vantagem em relação aos menores, mais leves, a fêmeas e mochas, por exemplo. Nesse caso, teremos que pensar em mais espaço para que esses animais, “menos favorecidos” ou submissos, possam ter acesso ao suplemento em questão.
Quando o planejamento dos cochos leva em conta o comportamento animal, a performance da suplementação e dos bezerros é superior.
E como resolver a questão com um suplemento de baixo consumo, como o sal mineral, quando ele sobra no cocho? A questão permanece, pois, de um modo geral, os bovinos são animais gregários, ou seja: gostam de permanecer em grupo (mesmo em ambiente no qual apanhem de alguns animais do mesmo grupo). Isso faz com que sigam o rebanho para onde quer que ele vá. Imaginemos, então, um cocho de sal mineral com 4 cm/animal; em um lote com 100 animais teremos, portanto, 4 metros de cocho no total. Fisicamente, não cabe o grupo todo nesse cocho. Se cada bezerro desmamado tiver 50 cm de largura, caberão na linha de cocho somente 8 animais de cada vez, mesmo assim se não estiverem brigando.
Agora vamos ao comportamento desses animais: o primeiro a chegar no cocho é o líder, que inicia os movimentos e faz com que todas as atividades sejam sincronizadas. Um grupo de animais acaba seguindo esse líder. Depois chegam os animais dominantes (pode ser um ou mais) que, diante da escassez do suplemento, vão bater ou intimidar os outros animais para ter primazia de acesso ao cocho. Pois bem, nessa “dança das cadeiras” ou da possibilidade de acesso, vão passando alguns animais até que aqueles primeiros (o líder e seus seguidores) resolvam mudar a atividade. Após a ingestão de sal mineral, muito provavelmente eles irão atrás de uma fonte de água. E, assim, todo o grupo começa a caminhar juntamente com eles. Os animais que ainda não tiveram tempo de consumir o sal mineral (porque, afinal de contas, não cabem no cocho), começam a ver o grupo se distanciando e bate aquela dúvida: ficar mais um pouco e consumir o sal mineral, ou acompanhar o grupo e ficar mais protegido? Ao redor de 25% a 30% dos animais irão embora junto com o grupo, sem consumir o suplemento.
Cochos intermitentes, uma solução
Essa diferença no consumo produz diferenças no desempenho: animais de cabeceira se distanciando em relação ao tamanho e peso dos animais de fundo. E como podemos igualar essas condições? Temos duas estratégias, que devem ser realizadas em conjunto, para que tenham o efeito desejado:
- aumentar a disponibilidade de cocho, o que não resolve a situação com animais de dominância e submissão extremas (os submissos ainda terão medo dos muito dominantes, não chegando no cocho mesmo que tenha espaço físico suficiente);
- e, complementarmente, instalar linhas de cocho intermitentes, com algum espaçamento entre elas, mas próximas o suficiente para que os animais não se sintam sozinhos. Neste caso, uma boa sugestão é a instalação de 8 cm de comedouro por animal (contando somente uma linha e não os dois lados, como é muito comum) e, depois, dividindo a metragem total em 4 ou 5 linhas de cocho, na área de suplementação e água (às vezes chamadas de área de “lazer”). Esses cochos, então, serão colocados nas extremidades da área, mas com espaço para que os animais circulem ao seu redor.
Neste exemplo com 100 animais, seriam necessários 8 metros de cocho, que podem ser divididos em 4 linhas de 2 metros cada uma, colocadas em cada um dos lados dessa área de suplementação. E se não houver uma área demarcada dessa forma? A ideia permanece (4 linhas de 2 metros), mas o local dos comedouros será próximo à água: distantes o suficiente para que os animais submissos não se sintam pressionados, mas próximo o suficiente para que não se sintam sozinhos. Um ponto fundamental: para suplementos proteicos-energéticos essa estratégia é ainda mais importante, pois a pressão dos dominantes em relação aos submissos é ainda maior. Mas esta será uma outra história, para um próximo artigo.