Colibacilose Pós Desmame: medidas de controle e uso prudente de antimicrobianos

Posted by Pedro Ernesto Sbardella

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A diarreia pós desmame (DPD) em leitões é um problema multifatorial que traz grandes prejuízos à suinocultura moderna. O principal agente infeccioso envolvido na DPD é a Escherichia coli (E. coli) enterotoxigênica (ETEC), causando a chamada Colibacilose Pós Desmame (CPD). Com alta prevalência nos países de maior produção de suínos (Tabela 1), a CPD ocorre com maior frequência nas 2-3 semanas seguintes ao desmame e é caracterizada por diarreia abundante, desidratação, mortalidade significativa e perda de peso corporal dos leitões sobreviventes (2). A mortalidade associada a esta doença pode chegar a 20-30% em leitões desmamados durante surtos agudos, por períodos de 1 a 2 meses de lotes desmamados (3).


As perdas econômicas relacionadas à doença são expressivas devidas ao emagrecimento dos animais, redução no crescimento, aumento do uso de medicamentos e desinfetantes, redução no ganho de peso, piora na conversão alimentar, maior predisposição dos leitões afetados às infecções secundárias e aumento na variabilidade de peso (4, 5, 6). Um estudo canadense demonstrou que a mortalidade na creche aumentou de 2% para 7% em granjas que passaram por surtos de CPD e as perdas anuais foram estimadas em U$ 20.000,00 para um rebanho de 500 fêmeas (7).



A ETEC é caracterizada pela expressão de fímbrias e também pela produção de enterotoxinas, ambas essenciais para o desenvolvimento da doença. Estes fatores de virulência são necessários para a colonização dos sítios do hospedeiro e para evasão do sistema imune. As fímbrias de ETEC mais frequentemente encontradas em leitões com diarreia na creche são K88 (F4) e F18, e as enterotoxinas produzidas pela ETEC podem ser as termoestáveis (STa, STb e EAST1) ou a termolábil (LT) (3). Os genes das enterotoxinas estão nos plasmídeos das bactérias ETEC e atuam no epitélio intestinal.


Os leitões ingerem a ETEC presente no ambiente, especialmente proveniente da fêmea e da gaiola de maternidade ou do ambiente no alojamento na creche (Fig. 1). As bactérias ETEC aderem ao epitélio do intestino delgado do leitão, causam aumento da secreção de água e eletrólitos no lúmen intestinal gerado pela liberação de enterotoxinas e alteram as funções dos enterócitos aumentando a secreção e reduzindo a absorção (16). A secreção excessiva de eletrólitos e água leva à desidratação, acidose metabólica, diarreia osmótica e possível morte (17-20) (Fig. 1). O desafio por ETEC em suínos não está associado a lesões macroscópicas significativas, havendo apenas alterações na funcionalidade das estruturas (15, 21, 22). Alguns estudos, no entanto, relatam as seguintes alterações: dilatação do estômago e intestino delgado, infartos gástricos na mucosa do estômago e congestão da mucosa do intestino delgado e do cólon (15, 23).



A ETEC é caracterizada pela expressão de fímbrias e também pela produção de enterotoxinas, ambas essenciais para o desenvolvimento da doença. Estes fatores de virulência são necessários para a colonização dos sítios do hospedeiro e para evasão do sistema imune.

Colistina e o controle da CPD


A colistina é o principal antibiótico que vem à cabeça dos veterinários quando se fala em controle de diarreias no período pós desmame. Devido à sua atividade direcionada contra as bactérias Gram-negativas, a colistina é amplamente utilizada para o controle da CPD em suínos (54, 56). Dois levantamentos realizados em granjas de suínos na Bélgica, em 2006 (55) e 2012 (56), confirmaram que a colistina foi o antimicrobiano mais utilizado para o controle da doença, sendo a maioria utilizada profilaticamente. A colistina foi subdosada em 90 e 53% dos casos, no primeiro e no segundo levantamento, respectivamente. Em um estudo na França, foi relatado que 90% das granjas de suínos usavam colistina durante o período pós-desmame (54). Indica-se a China como o país com maior uso de colistina em suínos de todo o mundo (57), embora não haja nenhum relato na literatura sobre pesquisas de uso de colistina neste país no período pós-desmame.


O uso massivo e irrestrito de colistina está com os dias contados, em muitos países já ocorreram banimento da molécula, quer como promotor de crescimento, quer como terapêutico. Desde 2015, quando foi descoberto o plasmídeo mediador de resistência da colistina (MCR1) em granjas de animais (suínos, aves, bovinos) e em humanos, várias agências regulatórias começaram a reavaliar o uso da colistina em animais de produção, incluindo os suínos. O Brasil atualmente possui o uso da colistina como promotor de crescimento proibido mas o uso de forma terapêutica ainda está aprovado. No entanto, alguns países vizinhos do Brasil já proibiram o uso da colistina também de forma terapêutica, como exemplo da Argentina, Chile, Uruguai e Equador. E mundialmente os usos estão proibidos em mercados como: Malásia, Índia, Cingapura e México. Na China, o uso de colistina como promotor de crescimento também está proibido e o uso de forma terapêutica passou a ser considerado como de última opção.

O uso massivo e irrestrito de colistina está com os dias contados, em muitos países já ocorreram banimento da molécula, quer como promotor de crescimento, quer como terapêutico.

Como controlar a CPD sem a Colistina


A redução do uso de colistina, antimicrobiano altamente prioritário entre os criticamente importantes (segundo Organização Mundial da Saúde – OMS), está sendo promovido em todo o mundo e é exigido nas diferentes legislações como medida de saúde pública para reduzir o risco da disseminação da resistência à colistina e prevenir a perda da eficácia das polimixinas na medicina humana (53). Muitos países importadores de carne suína do Brasil, também exigem que os animais sejam criados sem a utilização de colistina, já que o produto é proibido em sua produção local. Sendo assim, fica cada vez mais importante para a produção brasileira possuir estratégias e medidas que auxiliem no controle e prevenção da CPD em leitões, distintas do uso massivo de colistina.


Antes de pensarmos em antibióticos ou produtos específicos para controle, precisamos entender que a CPD é uma doença extremamente associada aos fatores de risco e para mantê-la sob controle é necessária uma abordagem mais holística, envolvendo vários processos ao longo dos primeiros meses de vida do leitão (Fig. 2). Os fatores de risco precisam ser controlados para reduzir a probabilidade da doença acontecer e, para isso, são necessários manejos básicos dentro da granja. Os principais manejos consistem na garantia da ingestão adequada de colostro, idade ao desmame, condições de alojamento (limpeza, desinfecção e vazio sanitário), temperatura das instalações, densidade adequada, qualidade e garantia de consumo de ração, biosseguridade, bem como diagnóstico correto da doença, tratamento e monitoramento. Estas medidas são de extrema importância para que o leitão tenha uma melhor Integridade Intestinal (I²) e podemos considerá-las como o primeiro passo para se ter sucesso em um programa de controle para a CPD.



Antes de pensarmos em antibióticos ou produtos específicos para controle, precisamos entender que a CPD é uma doença extremamente associada aos fatores de risco e para mantê-la sob controle é necessária uma abordagem mais holística, envolvendo vários processos ao longo dos primeiros meses de vida do leitão

Antibióticos


Além da situação da colistina, discutida anteriormente, existe uma tendência mundial para um uso prudente de antimicrobianos em animais de produção. Atualmente, os antibióticos são utilizados na produção animal como forma de tratar, controlar e prevenir doenças, além do seu uso como promotores de crescimento. Os antibióticos são classificados em três categorias de acordo com sua aplicação, como está descrito na Figura 3.



Dentre as moléculas aprovadas no Brasil para uso em suinocultura, a avilamicina é um dos poucos antibióticos de uso exclusivo em animais, apresentando limitada absorção intestinal e baixo risco de resistência. Somado a isto, possui limite máximo de resíduos (LMR) estabelecido por diferentes legislações (ex.: CODEX, Rússia, Japão, Europa) e não requer período de retirada. Estudos demonstraram que a avilamicina possui um modo de ação exclusivo e diferente de outros antibióticos, inibindo a produção das fímbrias da ETEC, o que reduz a sua capacidade de adesão aos enterócitos. Sem a adesão, a E.coli não consegue produzir as toxinas e acaba sendo eliminada no processo intestinal, reduzindo a ocorrência de diarreia em leitões desmamados. Dados obtidos na Comissão Japonesa de Segurança Alimentar em 2004 indicam que a administração de avilamicina a suínos e aves não afeta a seleção de cepas de E.coli resistentes a outros antimicrobianos. Além disso, o parecer do EMEA (European Medicines Agency) de 2007 para o uso de avilamicina como medicamento veterinário relata que não existem evidências de transferência in vivo de genes de resistência a este princípio ativo.


Na suinocultura uma alternativa ao uso de colistina é o halquinol. A molécula, porém, possui algumas restrições regulatórias, o que limita seu uso em países exportadores, como o Brasil. Adicionalmente, recentes consultas públicas apontam para a descontinuidade de moléculas cujos limites não tenham sido fixados nas diferentes legislações internacionais de referência. Além do Halquinol, também estão disponíveis no mercado outros princípios ativos com ação para E.coli que podem ser utilizados via água ou ração para controlar a CPD, como os aminoglicosídeos (gentaminicina e neomicina), quinolonas (ciprofloxacina), sulfonamidas (sulfas, geralmente associadas com trimetropin), lincosamidas (lincomicina+espectinomicina), entre outros. Porém, estes antibióticos são classificados pela OMS como criticamente (aminoglicosídeos e quinolonas) e altamente (lincosamidas e sulfonamidas) importantes à medicina humana (58), tendo seu uso restrito como terapêutico e com recomendações de uso, no caso dos criticamente importantes, apenas como última alternativa terapêutica. E para ambas as classificações a orientação de não utilizar em metafilaxia e profilaxia, o que é realidade no controle da CPD. 


Outras estratégias


Além do uso de antibióticos, outros produtos vêm sendo utilizados como terapias de suporte no controle da CPD. Um exemplo disso é a adição de óxido de zinco (ZnO) a níveis de 2400-3000 ppm (terapêuticos) na ração de leitões. Esta é uma opção que vem se mostrando eficaz, porém o EMEA já determinou que o uso terapêutico de ZnO estará proibido na Europa a partir de 2022 devido a questões relacionadas a contaminação ambiental. Além disso, os probióticos, que agem através da modulação da microbiota intestinal, aumento da defesa de anticorpos intestinais e regulação da produção de citocina inflamatória sistêmica, e os ácidos orgânicos, que geram um ambiente gástrico hostil para a sobrevivência bacteriana, vem ganhando espaço no auxílio ao controle da CPD. Outra alternativa disponível em alguns países da Europa e América do Norte, são as vacinas orais de E. coli avirulentas vivas e atenuadas.  Estas vacinas são adicionadas à água de beber e administradas aos leitões aos 17 dias de vida ou mais e mostram resultados promissores para o controle de infecções por ETEC.


Conclusão

Mesmo havendo, nos últimos anos, uma grande evolução na prevenção de doenças e melhoria da saúde geral dos rebanhos, a CPD permanece sendo um problema causador de perdas econômicas significativas no sistema produtivo de suínos. Os antibióticos tiveram papel importante na mitigação dessas perdas ao longo dos anos, mas o aumento da preocupação com a resistência antimicrobiana, resultando em falhas terapêuticas e a maior vigilância pelos consumidores, tem intensificado a busca por outras maneiras de controlar a CPD. Com isso, antibióticos de uso exclusivo animal e a possibilidade de imunização dos leitões são opções promissoras no controle da doença, bem como a utilização de produtos que promovam melhor integridade intestinal, como probióticos e ácidos orgânicos. No entanto, é necessário entender que devido aos muitos fatores de risco envolvidos na doença, é essencial mantê-los sob controle para reduzir a ocorrência da CPD, focando principalmente nos manejos básicos no período de maternidade e creche.


  • 1 Dunlop MW, et al. The multidimensional causal factors of ‘wet litter’ in chicken-meat production. Science of the Total Environment. 2016; 562:766-76.
  • 2 Kadykalo, S. 2018. The value of anticoccidials for sustainable global poultry production. International Journal of Antimicrobial Agents. 1-7.
  • 3 Bilgili, S., Heskett, E. and Willinghan, E. 2006. Physiology of growth and yield. Elanco Animal Health.
  • 4 Williams, R. 1999. A compartmentalized model for the estimation of the cost of coccidiosis to the world's chicken production industry. International Journal for Parasitology. 29(8):1209-1229.
  • 5 Van der Sluis, W. 2000. Clostridial enteritis is an often underestimated problem. World Poultry. 16(7):42-43.